terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Reescrevendo. Para você, Cauê.



"Oh, my  love ,for the first time in my life,my eyes are wide open.Oh, my lover, for the first time in my life,my eyes can see.I see the wind.Oh, I see the trees.Everything is clear in my heart.I see the clouds.Oh, I see the sky.Everything is clear in our world.Oh, my love, for the first time in my life,
my mind is wide open.
Oh, my lover, for the first time in my life, my mind can feel.I feel the sorrow.Oh, I feel dreams.Everything is clear in my heart.I feel life.Oh, I feel love.Everything is clear in our world.(Oh, my love - John Lennon)





Você já sabe: essa é a sua música, prá mim. Toda vez que eu cantarolo ou coloco em algum lugar prá tocar, você já diz "é a minha música, né, mãe ?" E sempre vai ser. Nesse mês de setembro, há cinco anos atrás, você estava se fazendo em mim. Partia a Maria Cristina pessoa, única, avulsa, rs, e estava nascendo a Maria Cristina mãe, muito mais feliz e completa do que era a outra, rs.

Meses atrás, me vendo contar sobre seu nascimento, você me disse que não queria me ver chorando e que não queria mais que eu contasse como tinha sido sua chegada, porque me ver triste te deixava muito triste. Na hora, eu realmente não soube o que falar, porque, apesar de todas as dores que eu carrego daquele momento, você é a minha vida, minha razão, meu amor, meu ânimo. Foi a primeira vez que eu pensei em como você ia receber a sua história, em como poderia ficar gravado em você seu nascimento, geralmente contado pelas famílias com tanta alegria. E me dei conta que ninguém de nós nunca contou sua história prá você.

Nesse momento, você está dormindo, então, vou fazer disso daqui um ensaio do que eu quero contar prá você.

Cauê, você veio de um estalo, um clique, uma vontade súbita de não ser só mais eu. Eu quis você, num dia de manhã, enquanto arrumava o quintal antes de trabalhar. Naquela hora, você veio em um sentimento tão forte que, mesmo com tantas controvérsias, eu decidi que ia ter um filho. 

Seguiram-se alguns meses, até outubro de 2009, quando eu soube de você. Se anunciou em meio a algumas dores aqui, ali e me encheu de medo, muito medo, mas muito mesmo, e de uma felicidade que não cabia em mim !!! Desde pequena, eu sempre imaginava que o meu primeiro filho seria uma menina. E não. Veio você, em um sonho, cabeludo, todo de azul, sentado na minha cama, me mostrando que, dali prá frente, eu já não tinha mais controle, que não era do meu jeito. Tão fantástico isso tudo !! Nova vida, novo mundo, e eu ali, entre deslumbramento e todos aqueles hormônios, juntos e misturados.

Seguiu-se uma gravidez cuidada, eu achava. Tantos exames, medicamentos, e cuidados, atenção. Enfim. Em nenhum momento, eu questionava aquilo tudo. Eu queria tanto você lindo e perfeito logo, comigo, que nunca me atentei prás desnecessidades que vinham e não reparava no mais importante, em nós, ali dentro de mim.

Preocupada em deixar tudo organizado, seguimos até o final, sem nenhuma intercorrência, só alguma variação de pressão. Até que, no fim de maio de 2010, ouvi da médica a seguinte frase "Cristina, vamos marcar ?". 37 semanas de gravidez, então. Tudo feito, segundo o protocolo de "rotina" do atendimento particular: curso de gestante, em que ninguém contou sobre os riscos que estaríamos correndo (valeu muito, muito, pelas dicas em amamentação, que usamos tanto, rs), pediatra contratado, muita ansiedade, mãe assustada, pai enlouquecido, feliz, com a sua chegada. "Então, prá que dia ? Não pode ser dia 1º de junho ?", eu disse, dando significado a uma data que tanto nos é especial. Hoje, eu jamais responderia isso. Mas, hoje. Sua história de nascimento já foi feita e eu não consigo lembrar disso sem emendar "me desculpa".

No dia anterior, fui normalmente a nossa aula de ginástica, sai feliz contando que, muito provavelmente, você chegaria no dia seguinte. Aquela noite, por incrível que pareça, eu dormi bem. Dormi sabendo que era a minha última em que éramos um só. A primeira coisa que seu pai me disse, ao acordar, foi "e aí, dormiu ?" Feliz, radiante, muito, mas muito cansada, porque o meu peso era muito (25 kg a mais....). Última consulta a tarde, tudo certo, era só ir para o hospital às 17:00 horas. Simples, né ? :(, antes disso, passamos no pediatra e, naquela hora, enquanto seu pai e a vovó iam informar, eu tive meu único momento de dúvida: "e se hoje não for o seu dia de nascer ? Será que não é melhor adiar ?". Falei isso prá eles quando voltaram ao carro e, depois de tudo ajeitado, só restava ir, né ? "Como desfazer tudo agora, quando já tá tudo marcado ?". Assim, fomos prá casa, só pegar as malas, avisar quem tínhamos que avisar e, fomos, estava chegando a hora !!!

Quando chegamos ao hospital, algo já mostrava que nada ia ser como esperado: não tinha vaga para quarto particular. Ficamos sentados na recepção, onde dormi, acordei, cansei, exausta de esperar por tudo, literalmente. Por conta disso, me colocaram em uma sala na emergência, onde eu só pensava "é normal isso tudo mesmo ?". Até que, depois de quase 3 horas, um enfermeiro veio nos avisar que a sala de cirurgia estava pronta. Nesse momento, enquanto eu tirava todos os meus brincos, eu comecei a chorar de verdade, a tremer, a sentir o maior medo do mundo !!!!! Enquanto eu chorava, minha mãe chorava, o seu pai tremia, era tudo tão grande, era tudo tão assustador. Colocada na maca, enquanto ia pelo hospital, a Tina, a Claudia e a Karina (isso eu NUNCA vou me esquecer !!!), fugiram pela recepção e vieram desejar uma boa chegada (isso foi tão lindo, todo mundo chorando!!).

Enfim, chegamos. Tudo muito frio, paramentado, gelado. Toda a equipe se ajeitando, até que a médica chega e diz "viu, seu filho vai chegar no dia que você escolheu!". Vê só, :/. Eu estava tão cansada, me sentindo tão subjugada, querendo ir prá casa, que nem respondi. Dali a pouco, veio a anestesia e, pronto, tudo ia começar. A última coisa que eu pensei antes de entrar definitivamente no efeito da anestesia foi "até daqui a pouco, Cauê, a gente se encontra!" E, então, você não veio de pronto, a gente não se encontrou tão logo como tínhamos combinado.

Você saiu de dentro de mim e não chorou. Gemeu, um gemidinho que até hoje eu escuto. Vieram me mostrar você tão rapidamente, mas tão rápido mesmo, que nem perto de mim você chegou. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo. Fui para a recuperação, para o quarto e nada de você. Até que, às 07:00 da manhã, o pediatra entra no quarto e me diz "Cristina, nós tentamos de tudo e não deu certo. O Cauê está na UTI". Naquele momento, como eu já disse alguma outra vez, eu senti o chão abrindo e um tsunami passando por cima de mim. Eu não disse nada, eu só chorei e perguntei prá Deus porque isso tava acontecendo comigo. Minha mãe também não disse nada, só me abraçou e chorou.

Eram duas visitas por dia, de manhã e a noitinha. Liguei para seu pai e ele veio. Foi fazer a primeira visita sozinho. Hoje, eu ainda penso em como ele foi corajoso em enfrentar aquilo tudo sozinho. Perguntei, na volta, o que ele tinha achado e ele disse "é muito estranho", bem triste. Então, às 18:00 horas, fomos para a segunda visita. Me arrastei pelo corredor inteiro, com dor, afinal ainda não tinha 24 horas de cirurgia, e, conforme ia se aproximar do local, eu tremia. A hora que entrei na UTI Neo, vi um raio x, ao lado, de um pulmão. Era o seu, mas eu ainda não tinha noção. Te vi, de longe, dentro de uma incubadora, com o nome "RN de Maria Cristina", era a sua identificação, você ainda não tinha nome prá eles. Entrei, mal pude te tocar com a ponta dos dedos e, como eu estava muito dolorida, não consegui ficar nem meia hora em pé. Voltei ao quarto me arrastando, chorando de dor, mas não dor física, dor em saber que você ia ficar lá sozinho. Na madrugada seguinte, lá pelas 05:00 da manhã, eu chorei, muito, mas muito mesmo, porque escutava outros nenês chorando e você não tava ali. Era enlouquecedor aquilo tudo !!!!!!

Achava mesmo que a nossa vida estava condicionada à UTI, que só te veria naqueles horários em que o hospital tinha estabelecido. Nesse período, enquanto todos os outros quartos tinham visitas felizes pelos nenês, ninguém, além da família, nos visitou. Seu pai sentiu muito isso, ninguém celebrava sua chegada com a gente. Era como se tudo, realmente, tivesse dado errado.

No dia seguinte, a médica veio me dar alta, porque a minha recuperação tava ótima, eu só não tinha você, rs. Só não saí porque o pediatra pediu prá que eu ficasse, pelo menos, mais um dia, prá ver se ele conseguia levar você da UTI para o quarto. Mas, no dia seguinte, não teve jeito, fomos embora. Na hora de sair, seu vô, meu pai, me disse "você vai ter coragem de sair e deixar ele aqui, sozinho ?". Perturbador, mas, eu fui. A hora que eu cheguei em casa, tudo pronto, sem você, eu chorei, muito, de novo, a dor que era não ter você comigo. Blasfemei novamente contra Deus, queria saber o motivo de tanta dor. Me sentia, literalmente, um saco de presente vazio.

Nesse dia, a noitinha, fomos para a visita. A hora que chegamos, você estava fora da incubadora. Quando eu vi isso, fiquei cega, fui reta em direção a você, esquecendo completamente de todos os procedimentos que tinham que ser feitos (lavar as mãos, colocar a veste....). Depois de paramentada, a enfermeira me disse que iam colocar você prá mamar. E assim foi. Você veio para o meu peito, que não tinha nada, e tentou sugar, aquela boquinha tão minúscula. Na prática, não teve nada, mas aquele momento foi tão sublime, me senti tão preenchida, viva, feliz, como não senti por todos os dias anteriores. Fui prá casa, a noite, tomei um chá de folha de manga feito pela sua vó, na fé que o leite ia descer (como de fato aconteceu na manhã seguinte, rs). Aquela noite, eu dormi com uma dose de calmante e, enquanto chovia lá fora, eu pensava "primeira chuva do Cauê e ele tá no hospital, sozinho". Até hoje, quando chove à noite, você me diz que não tem medo de chuva, que é muito corajoso e sabe que ela não faz mal.

Sábado veio, na visita, você nos reconheceu, abrindo a boquinha, como se quisesse mamar, quando eu toquei em você (lembra o video que eu te mostrei ?). E, então, domingo !!!! Você estava indo da UTI para o quarto e a sensação que eu tinha era que tinha ganhado - e não feito, rs -, o maior presente que ia poderia ganhar !!! A minha maternagem, finalmente, ia começar !!! Você saiu da UTI, foi para o quarto e, logo, já foi colocado no peito. Já tinha colostro, mas a pega era difícil, porque eu não tinha bico nos seios, que eram bem grandes prá uma boquinha tão pequena.

Eu, realmente, já achava que tinha sido difícil o suficiente até ali. Mas, não. Nos colocaram uma outra meta: você não sairia do hospital enquanto não aprendesse a mamar. Hoje, eu penso em como isso foi cruel, por um lado, e bom, por outro, porque me forçou a me descobrir como nutriz, como mulher que foi feita prá cuidar e alimentar seu filho. E, então, por quatro dias, com milhares de correções de pegas, muitas ordenhas (até seu pai e sua vó aprenderam a ordenhar, rs), muitas mãos das enfermeiras em mim prá fazer você mamar. Foi exaustivo demais, eu achava que a nossa vida seria só dentro daquele quarto.

Depois de 8 dias, fomos prá casa. Qualquer dificuldade, dali prá frente, seria muito, mas muito menor. Eu aprendi a ser mãe imediatamente. Não me deram o tempo prá aprender a lidar com tantas novidades, eu tive que superar todas as angústias, medos, hormônios, prá fazer com que você me reconhecesse. Porque meu maior medo era esse: depois de tanto tempo te esperando, que você não soubesse qual era o meu cheiro, minha voz, meu toque. Aprendemos, meu amor, você aprendeu a mamar certinho, se desenvolveu tão bem, é tão perfeito, que todo mundo esquece disso tudo o que você passou. Como eu te digo todo santo dia, você é muito corajoso.

Até hoje, Cauê, eu não sei se superamos isso tudo. Tem dias que eu acho que sim, tem horas, como agora, que eu acho que não. Acho que eu nunca vou superar, nunca vou deixar de chorar isso tudo o que a gente passou. Às vezes, você tem reações que me remetem, na hora, ao seu nascimento. Mas, o que tem que ficar bem claro é que você não é o motivo do meu choro. Ao contrário, você é o meu riso, minha alegria genuína. Meu choro é por terem nos submetido a tanta dor, afastamento, a tantas provas, quando, na verdade, eu só queria te ter prá mim, desde o primeiro segundo que saiu daqui de dentro.

Espero que, logo, você consiga ver suas fotos, me deixe contar, de novo, como você chegou e não ache que a mamãe chora por você. Se tem algo que vai permanecer e sempre vai definir o que eu sinto por você é a dor da inteireza, como vi em um blog. Isso eu sempre vou sentir. É tanto amor que dói, dói fisicamente, dói na alma e, dessa dor, eu jamais vou correr, é boa demais. Quero sentir diariamente todo esse amor que você me trouxe. Apesar de tudo ao que fomos submetidos, tenha certeza, depois de você, tudo está muito claro em meu coração, como a sua música já canta."





Esse texto eu fiz há alguns meses, por um lindo motivo e, especialmente, para que ele saiba a história dele, contada pela mãe, tão mudada depois desses quatro anos e pouco. A propósito, hoje faz quatro anos que escrevi o primeiro relato. Veja aqui:

 http://registrosavulsos.blogspot.com.br/2010/12/e-assim-se-passaram-seis-meses.html

Como ele cresceu....e eu ainda mais !!

Nenhum comentário: